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Ayahuasca - breve contribuição das neurociências e da psicologia analítica

29.3.16
Introdução

Ayahuasca (do quéchua: aya - persona, alma, espírito morto; waska - corda, enredadeira, trepadeira) é um chá com propriedades psicoativas de uso medicinal e religioso utilizado originalmente por populações nativas da América do Sul, marcadamente na região amazônica, em países como Brasil, Peru, Colômbia e Bolívia (LUNA, 2005). Culturalmente conhecida como um enteógeno, essa beberagem também é chamada de yagé, hananeroca, hoasca, vegetal, daime etc., a depender do grupo étnico-linguístico e localização geográfica.

A descoberta de artefatos de cerâmica na região amazônica aponta para evidências de seu uso desde períodos anteriores a 2000 A.C, mas as primeiras referências escritas sobre a ayahuasca só apareceram no século XVIII em trabalhos de padres jesuítas (NARANJO, 2015).

Fazem o uso ritual da ayahuasca mais de 70 tribos indígenas da América do Sul, como os Ashaninka, Airo-pai, Kaxinawá e Yaminawá. Em algumas tribos, somente o xamã pode fazer o uso do chá, em sua iniciação xamânica e para práticas adivinhatórias, diagnósticos, curas de doenças etc.. Em outros grupos, o chá também é utilizado pelos demais membros da tribo, geralmente homens, para fortalecimento, caça e rituais de passagem, normalmente sendo vedado ao xamã o conhecimento acerca da preparação (NARANJO, 2015).

No final do século XIX e início do século XX, após a chegada de trabalhadores rurais - sobretudo seringueiros - em terras amazônicas, a ayahuasca passou a ser incorporada a práticas religiosas sincréticas, com influências do catolicismo popular, espiritismo kardecista, crenças afro-brasileiras e esoterismo europeu. A partir de então, originaram-se algumas religiões ayahuasqueiras brasileiras como o Santo Daime, a Barquinha, a União do Vegetal e suas ramificações, responsáveis pela disseminação do uso ritual do chá em todo o território nacional e, mais recentemente, em alguns países norte-americanos e europeus (GOULART, 2005).

Com a popularização da ayahuasca nos centros urbanos e o aumento de pesquisas que identificam suas propriedades medicinais, além do uso em contextos indígenas e em religiões ayahuasqueiras, alguns pesquisadores têm sugerido seu uso sistemático em contexto clínico, em uma modalidade conhecida como terapia psicodélica (NARANJO, 2015).

No Brasil, seu uso é permitido em contexto religioso e reconhecido como prática legal pelo Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) em Resolução de 4 de novembro de 2004, tendo parecer favorável do Conselho Federal de Entorpecentes desde 1986 e sendo republicado em 2010 para melhores esclarecimentos (BRASIL, 2010).


Neurociências

Tradicionalmente, essa bebida é preparada a partir da decocção das plantas Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis, embora haja relatos da rara utilização de outras espécies das plantas citadas.  Alguns grupos indígenas preparam o chá somente com Banisteriopsis sp. ou com adição de outras plantas, tais como a Diplopterys sp. e a Brugmansia sp., todas contendo propriedades psicoativas (NARANJO, 2015; MCKENNA et. al., 1998).

O cipó Banisteriopsis caapi, conhecido pelas religiões ayahuasqueiras como mariri ou jagube, é composto pelas betacarbolinas harmina, harmalina e tetra-hidro-harmina. Seu principal mecanismo de ação é a inibição da monoaminoxidase (MAO), aumentando os níveis de serotonina no sistema nervoso central.

As folhas da Psychotria viridis, também conhecida como chacrona ou rainha, contêm o alcaloide N,N-dimetiltriptamina (DMT), agonista de serotonina (5-HT1b, 1d, 2a e 2c.) - ou seja, seu mecanismo de ação é a inibição da recaptação de serotonina, permitindo seu efeito. A DMT é endógena em seres humanos, sendo identificada no sangue, urina e no líquor (CIPRIAN-OLIVIER et. al. 1997).

Quando administrada por via oral, a DMT exógena demonstra-se inativa, mesmo em doses superiores a 1000mg, devido à sua degradação pela enzima MAO no metabolismo, enquanto doses iniciais iguais a 25mg por via parenteral (por meio de injeções) já demonstram efeito psicotrópico (MCKENNA et. al., 1998).

Assim, no chá ayahuasca ingerido, a chacrona só tem seu efeito quando combinada com o mariri, visto que inibição da MAO pelas betacarbolinas do cipó possibilita que a DMT presente nas folhas não seja degradada no corpo, além de aumentar sua meia-vida. A inibição periférica da MAO permite que a DMT presente na bebida torne-se biodisponível por via oral, resultando em alterações autonômicas, cardiovasculares, sensitivas, cognitivas e afetivas (MCKENNA et. al., 1998).

Os principais efeitos da ayahuasca são alcançados, portanto, através da potente ação serotoninérgica da DMT e das betacarbolinas sobre o sistema nervoso, mais especificamente pela estimulação sobre os receptores 5-HT2a e 5-HT2c (MCKENNA et. al., 1998) - embora pesquisas também afirmem que as betacarbolinas aumentam os níveis de dopamina, norepinefrina e epinefrina no sistema nervoso central (NARANJO, 2015).

A partir da alteração dos níveis desses neurotransmissores, observa-se a manifestação dos assim chamados estados alterados de consciência, "uma alteração qualitativa no padrão global de funcionamento mental que o indivíduo sente ser radicalmente diferente do seu modo usual de funcionamento" (TART, 1972, apud ALMEIDA, 2003, p. 22). Entre esses estados, pode-se citar a presença de pensamentos complexos, compreensões sobre a própria identidade, imagens visíveis com olhos fechados, alterações visuais da cor, forma e movimento dos objetos, percepção mais clara e distinta do som, sensação predominante de bem-estar, alteração do tato etc..

Também são observados efeitos autonômicos e cardiovasculares, como a dilatação pupilar, aumento da freqüência respiratória, elevação ou diminuição da frequência cardíaca e da pressão arterial, aumento da temperatura corporal  etc.. Esses efeitos aparecem entre 20 e 40 minutos após a ingestão e podem durar até quatro horas (GROB et. al., 1996).

A ayahuasca tem se mostrado eficaz para o tratamento de transtornos de humor (GROB et. al., 2004; DOS SANTOS et. al., 2011), dependência química (DOS SANTOS et. al., 2006), ansiedade, depressão (DOS SANTOS, 2006) e doenças neurodegenerativas, incluindo Alzheimer (BARNHAM et. al., 2004) e Parkinson (SERRANO-DUEÑAS et. al., 2001). Além disso, estudos recentes têm descrito os benefícios dessa beberagem no tratamento contra o câncer, a partir da ação anti-tumoral de betacarbolinas  e de variáveis psicossociais (SCHENBERG, 2013).


Psicologia analítica

Além dos aspectos antropológicos e neurofarmacológicos da ayahuasca, é importante compreendê-la em seu âmbito psicológico, considerando principalmente sua ação indutora dos estados alterados de consciência e atuação como um significativo instrumento de autoconhecimento. Uma das abordagens possíveis de se compreender seus conteúdos é a psicologia analítica.

Não há ainda publicação de estudos sistemáticos sobre essas experiências a partir dessa abordagem teórico-metodológica, o que dificulta uma análise mais detalhada neste momento. Contudo, é possível identificar alguns conteúdos que se relacionam aos conceitos de Carl Gustav Jung acerca da psique, especialmente no que se refere à manifestação de imagens arquetípicas do inconsciente coletivo, aspectos do inconsciente pessoal, função transcendente e processo de individuação.

De modo geral, as experiências com ayahuasca sofrem influências de pelo menos três aspectos: o contexto sociocultural, as vivências psicológicas individuais e as representações arquetípicas compartilhadas. Além de conteúdos pessoais acerca da história de vida do sujeito, são frequentes os relatos de visões de pássaros, felinos, serpentes, espíritos, figuras mitológicas. paisagens naturais e cidades, além de visualizações relativas à solução de crimes, voos da alma e clarividência (GROB, 1999; HARNER, 1973; NARANJO, 2015; SHANON, 2003).

Alguns desses conteúdos somente aparecem para sujeitos de determinados grupos, o que evidenciam as influências socioculturais. No entanto, como descrito por estudos em antropologia e psicologia, muitos aspectos da experiência com ayahuasca são independentes de antecedentes ou condições pessoais e socioculturais, havendo compartilhamento de conteúdos idênticos entre pessoas de diferentes contextos (NARANJO, 2015; SHANON, 2003). Isso sugere que a ayahuasca atua como um mecanismo que faz emergir para o consciente os conteúdos não somente do inconsciente pessoal, mas daquilo que Jung chamou de inconsciente coletivo.

"O inconsciente contém não só componentes de ordem pessoal, mas também impessoal, coletiva, sob a forma de categorias herdadas ou arquétipos. Já propus a hipótese de que o inconsciente, em seus níveis mais profundos, possui conteúdos coletivos em estado relativamente ativo, por isso o designei inconsciente coletivo" (JUNG, 1978, p. 127).

O inconsciente se expressa por meio dos símbolos encontrados no arquétipo, a partir dos quais a psique cria uma passagem entre os opostos consciente e o inconsciente. Ao processo de estabelecer uma conexão entre eles, Jung chamou de função transcendente. Ela seria, portanto, essa capacidade que tem a psique de formar símbolos e unir esses opostos. É um processo natural, uma manifestação de energia produzida pela tensão entre os opostos, formado por uma sucessão de processos de fantasia que surgem espontaneamente em sonhos e visões (JUNG, 1979).

"Enquanto o inconsciente coletivo, indiferenciado, ficar acoplado à psique individual, nenhum progresso se fará. Mas quando concebemos as figuras do inconsciente como fenômenos ou funções da psique coletiva, não entramos em contradição com a consciência intelectual. É uma solução racionalmente aceitável. Com isso adquirimos também a possibilidade de lidar com os resíduos ativados da nossa história antropológica, o que permitirá que se transponha a linha divisória anteriormente existente. Por isso chamei-lhe função transcendente, porque equivale a uma evolução progressiva para uma nova atitude" (JUNG, 1979, p. 89).

A função transcendente é a expressão desse diálogo entre consciente e inconsciente em forma processual, e os arquétipos, que compõem o inconsciente coletivo, são as expressões personificadas desse diálogo. Logo, em qualquer contato com uma imagem arquetípica, existe o potencial para a ação da função transcendente, e onde quer que a função transcendente atue, a consciência está de alguma forma interagindo com material arquetípico (JUNG, 2011).

"Por função transcendente não se deve entender algo de misterioso e, por assim dizer, supra-sensível ou metafísico, mas uma função que, por sua natureza, pode-se comparar com uma função matemática de igual denominação, e é uma função de números reais e imaginários. A função psicológica e “transcendente” resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes. A experiência no campo da psicologia analítica nos tem mostrado abundantemente que o consciente e o inconsciente raramente estão de acordo no que se refere a seus conteúdos e tendências. Esta falta de paralelismo, como nos ensina a experiência, não é meramente acidental ou sem propósito, mas se deve ao fato de que o inconsciente se comporta de maneira compensatória ou complementar em relação à consciência. Podemos inverter a formulação e dizer que a consciência se comporta de maneira compensatória com relação ao inconsciente" (JUNG, 2012, p. 13)

A ayahuasca, a partir da manifestação de conteúdos inconscientes pessoais e coletivos, atua como instrumento facilitador da função transcendente. Além disso, proporciona elementos que favorecem o que Jung chamou de individuação - quando a personalidade pode se desenvolver de forma equilibrada e completa, a partir do encontro com o Self ou Si-mesmo. Tal conceito representa a meta, o fim último da personalidade.

O movimento de trazer os conteúdos arquetípicos, inconscientes (pessoais ou coletivos), para o consciente, é imprescindível para o processo de individuação do sujeito. A ayahuasca também favorece esse processo na medida em que ajuda a pessoa a descobrir e trabalhar os conteúdos da sua sombra, que costumam vir à tona nessas experiências.

"Personificação dos elementos escuros e reprimidos que não estão em acordo com as normas sociais vigentes, a sombra é o primeiro degrau na descida ao inconsciente. Nenhum diálogo com o outro interno é completo sem o confronto com os aspectos sombrios não aceitos em nós e por isso reprimidos e/ou projetados. A sombra, uma manifestação arquetípica, é a personificação do outro instintivo, primitivo, amoral, interno a nós mesmos, e uma dentre as múltiplas formas possíveis de manifestação do inconsciente. Portanto, é um elemento essencial a ser integrado via função transcendente. Como os aspectos sombrios da psique jamais são integrados por completo, a função transcendente atua de forma ininterrupta" (DANTAS, 2009, p. 6).

Favorecendo o encontro com a sombra, estabelecendo o diálogo entre várias partes da psique e auxiliando no processo de individuação, as experiências com a ayahuasca assemelham-se à função da psicoterapia. Segundo Jung (1990), esta se baseia essencialmente em um confronto com os materiais inconscientes, a fim de que haja uma assimilação destes pela consciência. Tal confronto com o substrato escuro do eu pode chegar a um ponto em que imagens de cunho arquetípico emergem, com toda a carga numinosa que lhes é característica, o que é por definição uma experiência religiosa (JUNG, 1990). A psicoterapia seria, portanto, uma experiência religiosa e, de igual modo, a experiência com a ayahuasca seria uma experiência psicoterápica.


Conclusão

Embora os estudos desenvolvidos afirmem que as propriedades psicoativas da ayahuasca provocam alterações fisiológicas e psicológicas sem causar danos físicos ou dependência (GROB et. al., 2004; LABIGALINI, 1998), inclusive com relatos de indivíduos em uso por mais de 30 anos sem evidência de prejuízo à saúde (GROB et. al., 1996), não são precisamente conhecidos os efeitos a longo prazo do chá. Além disso, ainda há incertezas quanto ao seu uso por mulheres grávidas, crianças e pacientes psicóticos.

Quanto às compreensões da psicologia analítica acerca das experiências com ayahuasca, também nota-se a necessidade de serem realizados estudos sistemáticos, com entrevistas e análises de casos, de modo a construir um conhecimento mais consistente sobre o tema e verificar outros possíveis benefícios psicoterapêuticos do chá.

Apesar da longa história e tradição do uso indígena e a incorporação dessa prática em grupos religiosos ter se expandido mundialmente, essa falta de informação abre margem para especulações e controvérsias sobre os possíveis efeitos indesejados da exposição aos alcaloides presentes nessa bebida. No entanto, mesmo com a escassez de informações sobre a segurança de seu uso, sem dados científicos que indiquem seus riscos à saúde, não se pode deixar de reconhecer a importância de seu uso associado à religiosidade, ao seu contexto histórico-cultural brasileiro e aos efeitos psicoterapêuticos já conhecidos.

Referências

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Psicologia Analítica

Introdução à Psicologia Analítica

17.3.16
Carl Gustav Jung (1875-1961), considerado como um cartógrafo a desvendar o mapa da alma, teve grande contribuição para a história da psicologia. Médico especializado em psiquiatria, Jung foi assistente de Bleuler e, posteriormente, tornou-se um dos maiores discípulos de Sigmund Freud. Discordando de algumas concepções freudianas sobre o inconsciente e compreendendo o ser humano também em sua dimensão histórica, encerrou seus trabalhos com Freud e deu início a outra forma de se pensar e fazer psicologia (DA SILVEIRA, 1981).

"O início de minha carreira se deu em linhas inteiramente freudianas. Fui até considerado como seu melhor discípulo. Estive em ótimos termos com ele até a hora em que concluí que algumas coisas eram simbólicas. Aí Freud não concordou e identificou seu método com a teoria e a teoria com o método. Isto é impossível. Não se pode jamais identificar método com ciência. [...] Não obstante tenho plena consciência dos méritos de Freud e não tenho intenção alguma de diminuí-los. Sei, inclusive, que o que ele diz se adapta a uma grande parte das pessoas, e é possível afirmar que tais pessoas têm exatamente o tipo de psicologia que ele descreve." (JUNG, 2001, p. 12).


A Psicologia Analítica corresponde a uma teoria, pesquisa e prática clínica orientadas pela perspectiva teórico-metodológica de Jung. Este defendia uma psicologia funcional, que pudesse ser posta em prática, e ensinada em seus aspectos biológicos, etnológicos, médicos, filosóficos, culturais-históricos e religiosos. Para isso, cunhou alguns termos que se correlacionavam com diversas áreas do conhecimento - mitologia e estudo de religião comparada, astronomia, física quântica, alquimia, psicanálise e medicina (SHAMDASANI, 2011).

No entanto, segundo Sonu Shamdasani (2011), pesquisador de história da ciência e estudioso das obras junguianas, a Psicologia Analítica difere-se, em partes, das propostas originais de Jung para a ciência psicológica. Em primeiro lugar, porque Jung preferia usar o termo Psicologia Complexa - mas, por dificuldades nas traduções e consequente desconhecimento deste termo nos anos seguintes, ele entrou em desuso. Em segundo lugar, porque ele propunha dar um novo sentido à psicologia geral, e não criar uma abordagem teórica específica e separada das demais.

"Jung escreveu: “Psicologia complexa significa a psicologia das ‘complexidades’, ou seja, dos sistemas psíquicos complexos em contraposição a fatores relativamente elementares”. Meier sugeriu que, comparando-se com a psicologia “analítica”, a psicologia “dos complexos” tinha o valor de ser menos restrita às associações patológicas do consultório. Entretanto, com raras exceções, essa expressão não foi adotada pelos seguidores de Jung. Uma das razões para essa atitude foi ela nunca ter sido adotada na comunidade de língua inglesa, que se tornou o setor mais influente para o desenvolvimento da psicologia junguiana, depois da Segunda Guerra Mundial. Essa surpreendente desconsideração pelo nome escolhido por Jung para sua disciplina é, em si, um indício da separação entre Jung e a psicologia junguinana. Além disso, também indica uma mudança crucial de ênfase para uma direção oposta, da psicologia geral para a análise prática. Atualmente, a psicologia analítica é em grande medida uma disciplina psicoterapêutica profissional, envolvida numa relação problemática com o amplo público leigo leitor de Jung. A tentativa que ele fez de estabelecer uma psicologia geral ficou em segundo plano, embora continue viva nos bastidores, desempenhando seu legítimo papel." (SHAMDASANI, 2011, p. 27).

Essas divergências também se explicam pelo fato de suas obras não terem seguido uma evolução cronológica linear e direta, com termos apresentados de maneiras por vezes distintas em cada obra. Jung considerava essa falta de linearidade como marca registrada de seu trabalho (JUNG, 2006).

Ainda que o que se compreende hoje como Psicologia Analítica não seja fielmente aquilo que Jung pensou para a ciência psicológica, ela se utiliza dos métodos e componentes teóricos por ele discutidos e, portanto, até mesmo para fins didáticos, ela não é separada da Psicologia Junguiana.

O paradigma junguiano é baseado em uma concepção ontológica de mundo e de ser humano como uma totalidade, em seus aspectos consciente e inconsciente. Sua proposta epistemológica básica é viabilizar o conhecimento dos conteúdos inconscientes, de modo que o ser encontre mecanismos que o auxiliem em seu encontro consigo mesmo (SHAMDASANI, 2011).

"O método terapêutico da psicologia complexa consiste, por um lado, numa tomada de consciência, a mais completa possível, dos conteúdos inconscientes constelados e, ao mesmo tempo, numa síntese destes com a consciência através do ato cognitivo. Dado que o homem civilizado possui um grau de dissociabilidade muito elevado e dele se utiliza continuamente a fim de evitar qualquer possibilidade de risco, não é garantido que o conhecimento seja acompanhado da ação correspondente. Pelo contrário, devemos contar com a extrema ineficácia do conhecimento e insistir por isso em sua aplicação significativa." (JUNG, 2011, p. 49).

Referências

DA SILVEIRA, N. Jung, Vida e Obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

JUNG, C. G. Fundamentos de Psicologia Analítica. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

JUNG, C. G. Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2006.
JUNG, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Editora Vozes, 2011.

SHAMDASANI, S. Jung e a Construção da Psicologia Moderna. O Sonho de Uma Ciência. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2011.

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